Silêncio na Missa - Gotas de Liturgia
Alberto Bekeuser
Na Liturgia, o silêncio é observado não só em momentos
determinados. O recolhimento perpassa toda a celebração. Há momentos explícitos
de silêncio, mas ele é observado também na escuta da palavra e acompanha certas
orações chamadas presidenciais. Além disso, temos muitas ações, gestos,
movimentos e posturas do corpo realizados ou acompanhados em silêncio, através
do ouvido e da vista. Ouve-se em silêncio, acompanha-se em silêncio pela vista,
contemplando o que se realiza ou é realizado pelo sacerdote presidente em nome
de toda a assembleia.
Silêncio na escuta da Palavra de Deus – Para ouvir é preciso
silenciar, fazer espaço interior para acolher a Palavra na força do Espírito
Santo. É Cristo, a Palavra, quem fala quando na igreja se lêem as Escrituras.
Quantos ruídos estão atrapalhando a escuta da Palavra de Deus em nossas
assembleias! É ruído demais a distrair. É ruído acústico. É o cochicho na
Equipe de celebração. É ruído de microfonia dos aparelhos acústicos. É o
ventilador ruidoso. É a conversa entre os “assistentes”. Pior ainda é o ruído
visual. Pessoas chegando atrasadas, pessoas deslocando-se de um lugar para
outro na igreja. É acólito querendo ajustar o microfone quando a leitura já se
iniciou. O silêncio é indispensável para uma escuta frutuosa da Palavra de
Deus.
Silêncio que acompanha orações do sacerdote – A Liturgia
distingue-se por seu caráter dialogal. Nem todos dizem tudo. Há partes da
assembleia e outras, próprias do sacerdote. Por isso, os fiéis ouvem as orações
em silêncio, fazendo-as suas e dando seu assentimento através do Amém final ou
por aclamações. Isso vale, sobretudo, para a Oração eucarística que é sacerdotal
por sua natureza. Diz a Instrução: “O sacerdote convida o povo a elevar os
corações ao Senhor na oração e ação de graças e o associa à prece que dirige a
Deus Pai, por Cristo, no Espírito Santo, em nome de toda a comunidade. A oração
eucarística exige que todos a ouçam respeitosamente e em silêncio” (cf. n. 79).
O mesmo se diga da Oração pela paz que é dita só pelo sacerdote.
Silêncio que acompanha ações, gestos e movimentos – Todo
gesto realizado pelo presidente da assembleia é feito em nome de toda a assembléia.
São gestos litúrgicos significativos dos mistérios celebrados. Assim todos os
fiéis presentes podem e devem transformá-los em verdadeira oração: traçar o
sinal da cruz, persignar-se, impor as mãos, lavar as mãos, unir as mãos, elevar
as mãos, inclinações de cabeça, genuflexões e assim por diante. Os fiéis
acompanham tudo em silêncio, fazendo-os seus, transformando-os em oração.
Quase todos os movimentos são acompanhados em silêncio.
Gostaria de realçar a procissão da apresentação das oferendas. O canto que a
acompanha é facultativo. Os fiéis que levam as oferendas ao altar estão
realizando uma procissão de ofertas em nome do todos os fiéis presentes. Cada
um deve encontrar-se nas oferendas, fazendo sua a apresentação das oferendas
com tudo o que elas significam. O ideal é que a procissão seja acompanhada pelo
olhar, em silêncio. A própria ação de se reunir em assembléia, já parte da
celebração, é feita em silêncio.
Silêncio que acompanha posturas corporais da assembléia –
Estar de pé, levantar-se, sentar-se e estar assentado, ajoelhar e estar de
joelhos, prostrar-se e estar prostrado são ações comemorativas dos mistérios
celebrados, expressões orantes, modos de a assembleia comunicar-se com Deus. O
corpo todo reza, comunica-se com Deus na fé, na esperança e na caridade. Tudo
isso é realizado no silêncio das palavras. Celebremos, pois, de corpo inteiro,
comunicamo-nos com Deus, inclusive, através da gestualidade corporal no
silêncio das palavras. Tudo é oração.
Hoje em dia muitas celebrações litúrgicas, em vez de levarem
ao repouso, conduzem a um verdadeiro cansaço, um perigoso estresse. Uma senhora
me dizia, em Goiânia, que na terra onde mora, perto de Belém do Pará, as Missas
estão se tornando insuportáveis devido ao estrépito, à barulheira do canto, dos
conjuntos musicais, além de comentários intermináveis e avisos que não
terminam. Às vezes, ainda consegue levar o marido à Missa, diz ela, mas a certa
altura ele diz: “Mulher, não agüento mais, vou embora”. De fato, levanta-se e
se retira.
Ora, a sagrada Liturgia não constitui um espetáculo. Toda a
assembléia celebrante brinca diante de Deus e em Deus. A Liturgia não é
conquista humana. Não é eficaz pela força das palavras como se fosse uma
conquista. É obra de Deus, puro dom divino, Deus mesmo a ser acolhido. A
Liturgia leva a assembléia ao repouso em Deus e não ao cansaço, ao estresse do
esgotamento físico e psíquico.
Na ação litúrgica já participamos do “repouso” prometido por
Deus a seu povo (cf. Sl 94). Ela conduz à tranqüilidade, ao descanso, ao
sossego da comunhão de vida e do amor com Deus e em Deus. Seu desenrolar aos
poucos vai aquietando os corações dos que chegam à assembléia celebrante cheios
de tensões causadas pela vida agitada, pelas preocupações do dia a dia. Aos
poucos, na escuta da Palavra de Deus, o coração se deixa reconciliar,
estabelece-se novamente a harmonia com Deus, com o próximo e com toda a
criação. Os participantes acolhem a Palavra e a deixam aninhar-se no seu
coração. Todos vão se deixando enlevar pelo ritmo dos diversos ritos, que
estabelecem o clima de oração, melhor, que constituem oração, relação efetiva e
afetiva com Deus por Cristo e em Cristo Jesus.
Por isso, as nossas celebrações devem voltar a ser mais
contemplativas dos mistérios de Cristo que se tornam presentes, onde entrará,
sobretudo, a linguagem da escuta atenta, da acolhida, da contemplação, dos
ritos em si mesmos, inclusive, do silêncio.
A celebração cristã não pode estar repleta de estímulos
externos, de estrépito, de barulho, repleta de ruídos. Evitar-se-ão toda
surpresa, toda quebra do ritmo do rito, toda interrupção do fluir da relação
orante com Deus através de todas as faculdades e todos os sentidos, embalada
pelo ritmo do rito. A palavra, o som, o canto e a música constituem apenas um
aspecto da participação ativa. É um desastre quando o som da palavra e da
música se torna atordoante e ensurdecedor. Isto não leva ao repouso em Deus,
mas a maior tensão, ao estresse. As pessoas deixam a celebração mais tensas do
que quando chegaram.
Diria que a participação ativa é antes uma acolhida passiva
do dom de Deus, do próprio Deus no coração, deixando-se envolver por Deus,
revestir-se de Deus, fazendo sua a glorificação prestada por Jesus Cristo ao
Pai. Deus não se agrada com um culto de multiplicação de palavras. Compraz-se
com um coração contrito e humilhado.
Toda celebração litúrgica, particularmente a Eucaristia,
possui uma dinâmica interna. O início pode ser mais vivo para despertar e
motivar a celebração. Aos poucos, porém, a partir da escuta e da contemplação
dos mistérios, brota a resposta orante de admiração, de adoração, de louvor, de
ação de graças. Comer e beber juntos exige tranqüilidade, sossego, satisfação,
plenitude. Assim, toda a assembleia flui para o repouso, a comunhão, a
linguagem do coração, a linguagem do esposo e da esposa, para o silêncio
profundo da satisfação em Deus. Acontece, então, a reconciliação total, o
descanso, o repouso em Deus. O coração e a alma se retemperam em Deus, se
fortalecem com o dom de Deus. Assim, reconciliadas, as pessoas podem retornar à
luta do dia a dia.